quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mini só no nome!


O conto é um tipo de texto que me atraí por sua narrativa curta e densa, por sua emotividade e sua magnitude. Mais atraída ainda fiquei ao me deparar com os minicontos. Em pouquíssimas palavras, mas com uma intensidade incrível, autores fazem pequenos textos se transformarem em grandes histórias.
No miniconto muito mais importante que mostrar, é sugerir, deixando ao leitor a tarefa de "preencher" as elipses narrativas e entender a "história" por trás da história escrita.
Para fazer um miniconto que atinja a literariedade e principalmente que desperte a atenção do leitor, é indispensável a construção do personagem, por mais breve que seja. É o personagem, denominado ou não, que levará à surpresa do desfecho.

Características do Miniconto:

  • Conflito sintetizado.
  • Períodos curtos e objetivos.
  • Personagens são apresentados já executando a ação.
  • Em geral, o desfecho é surpreendente, inesperado.
Particularmente, sou fã da autora Marina Colasanti. Em seus contos, ela transforma situações do cotidiano em histórias poéticas e reflexivas. Abaixo seguem alguns minicontos do seu livro "Contos de Amor Rasgados".
 
De água nem tão doce

Criava uma serei na banheira. Trabalho, não dava nenhum, só a aquisição de peixes com que se alimentava. Mansa desde pequena, quando colhida em rede de camarão, já estava treinada para o cotidiano da vida entre azulejos.
Cantava. Melopeias, a princípio. Que aos poucos, por influência do rádio que ele ouvia na sala, foi trocando por músicas de Roberto Carlos. Baixinho, porém, para não incomodar os vizinhos.
Assim se ocupava. E com os cabelos, agora pálido ouro, que trançava e destrançava sem fim. "Sempre achei que sereia era loura", dissera ele um dia trazendo tinta e água oxigenada. E ela, sem sequer despedir-se dos negros cachos no reflexo da água na banheira, começara dócil a passar o pincel.
Só uma vez, nos anos todos em que viveram juntos, ele a levou até a praia. De carro, as escamas da cauda escondidas debaixo de uma manta, no pescoço a coleira que havia comprado para prevenir um recrudescer do instinto. Baixou um pouco o vidro, que entrasse ar de maresia. Mas ela nem tentou fugir. Ligou o rádio e ficou olhando as ondas, enquanto flocos de espuma caíam dos seus olhos.



 Enfim, um indivíduo de ideias abertas

A coceira no ouvido atormentava. Pegou o molho de chaves, enfiou a mais fininha na cavidade. coçou de leve o pavilhão, depois afundou no orifício encerado. E rodou, virou a pontinha da chave em beatitude, à procura daquele ponto exato em que cessaria a coceira.
Até que, traque, ouviu o leve estalo e, a chave enfim no seu encaixe, percebeu que a cabeça lentamente se abria.


A Paixão Da Sua Vida

Amava a morte. Mas não era correspondido.
Tomou veneno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás.
Sempre ela o rejeitava, recusando-lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada, estourou-lhe o coração.


Contos Em Letras Garrafais

Todos os dias esvaziava uma garrafa, colocava dentro sua mensagem, e a entregava ao mar.
Nunca recebeu resposta.
Mas tornou-se alcoólatra.

A busca da razão

Sofreu muito com a adolescência.
Jovem, ainda se queixava.
Depois, todos os dias subia numa cadeira, agarrava uma argola presa ao teto e, pendurado, deixava-se ficar.
Até a tarde em que se desprendeu esborrachando-se no chão: estava maduro.


Por serem tão pequenos, os minicontos podem ser chamados também de microcontos (outra denominação dada ao miniconto).

Espero que tenham gostados dos pequenos contos! Pequeno no tamanho, mas com grande conteúdo.

2 comentários:

  1. Adorei os minicontos. Especialmente "Contos em letras garrafais" e "A paixão da sua vida".
    Nunca havia lido Marina Colasanti. Acabou de me ser apresentada por vc, Kelly.
    Beijão.

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    Respostas
    1. São bons, né? Eu adoro Marina!
      Quando der, vou postando mais!
      Obrigada pela visita! hehe
      Beijo!

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