domingo, 27 de março de 2011

Crônicas do Busão: À espera do busão



O ponto de ônibus é uma prévia do que lhe espera dentro do ônibus. No entanto, o momento de espera no ponto às vezes supera a viagem em questão de tormento.

Certo dia, eu estava na praça, ou melhor, na pseudo-praça do terminal de circular de Catanduva à espera do ônibus para Rio Preto. Como a praça e o terminal estão sendo reconstruídos, o local estava um caos.

Havia chegado cedo. Então, procurei um canto onde pudesse me sentar para aguardar o “busão”. Encontrei um bloquinho de concreto. Coloquei um papel em cima dele para não sujar minha calça, me sentei e fiquei a esperar. Nesse momento, comecei a ver o mundo a minha volta. Comecei a notar os personagens do cotidiano daquela cidade. Era gente fumando bem na minha direção (e eu odeio cigarro), gente passando apressada quase tropeçando nos meus pés, trânsito caótico (ninguém dá seta para nada e acham que leis de trânsito foram feitas para serem infringidas), pessoas jogando lixo na rua (depois a culpa das enchentes é do prefeito), mãe gritando com o filho, um cego atravessando a rua, uma mulher pedindo informação, um senhor fazendo mil manobras para estacionar o carro para sair com ele depois de 2 minutos... Enfim, foi um bombardeio de ações diante de meus olhos. Senti-me uma expectadora do ser humano. Aquilo era melhor do que o Big Brother!

O clímax do meu “reality show” foi quando mãe e filha atravessaram a rua e vieram em minha direção. A menina devia ter uns 5, 6 anos. As duas foram em direção ao sorveteiro, que estava bem próximo a mim. A mãe comprou um sorvete para a filha e outro para ela e pararam quase na minha frente para saborearem a iguaria. Elas ficaram ali por um tempo e eu, perdida nos pensamentos, olhava para rua.

Passado um tempo, ouço uma breve discussão entre as duas, que até então tinha me esquecido que ainda estavam perto de mim.

― Mãe, eu quero outro sorvete! – disse a menina toda alegre e entusiasmada.

Como o excesso é ruim e estávamos próximos ao horário de almoço, a mãe se recusou a comprar outro sorvete. Mas a menina insistiu.

— Ah, mãe! Eu quero!

— Não! Você já tomou um!

― Mas eu quero!!! – gritou a menina já esperneando.

— Pode parar!!! – esbravejou a mãe, pegando a garotinha pelo braço tirando do meu ângulo de visão.

Não me virei para ver onde as duas foram, pois odeio criança birrenta, esperneando para ganhar alguma coisa. Aliás, está muito fácil ganhar pelo cansaço. Pai e mãe não querem ficar ouvindo lamentações, chororo e cedem logo. Não querem ter dor de cabeça. No meu tempo de criança, se eu abrisse a boca para chorar que queria algo, já levava um “não” bem grande; se insistisse, ganhava um belo tapão na fuça. Mas os tempos, infelizmente, são outros e a menina estava acostumada com o novo esquema.

Quando não contava mais em ver as duas de novo, eis que elas passam em minha frente. E a menina ia toda alegre, com um sorvete na mão.

2 comentários:

  1. Infelizmente, essa é não é uma realidade vivenciada apenas em Catanduva. Cada dia que passa nos deparamos com crianças cada vez mais mimadas, alienadas à sociedade e focalizadas apenas em seus desejos. Os pais tentam suprir a falta de amor, de tempo e paciência para com seus filhos, "comprando-os", atendendo seus desejos. Isso, num futuro, irá gerar adultos que não suportarão perder e que serão pessoas frustradas, deixando a sociedade cada vez difícil de se entender e de se viver...

    ResponderExcluir
  2. Naty, você disse tudo... Nossas crianças estão crescendo achando que podem conseguir tudo com choro e birra, e sabemos que na vida adulta as coisas não são bem assim... Não se conquistará nada no grito, pelo contrário, terá problemas com seu comportamento.
    Obrigada pelo excelente comentário!
    Beijo!

    ResponderExcluir