Mim

Em tempos de "para mim fazer" (lembrando que "mim" não pode ser sujeito; "mim não faz nada"), tive a grata supresa em me deparar com um aluno que transformou um vício de linguagem em obra prima.

Como ele me concedeu a licença de divulgar sua obra, segue o poema "Mim", de Sydney Júnior, do curso de Edificações da ETE Philadelpho Gouvêa Netto.

Pai branco, aventureiro...
Pesca, caça... liberdade!
Escravo da liberdade.

Mãe índia, jovem...
Bela, misteriosa...
Curiosa.

Pai branco caça;
Onça espia...
Liberdade.

Mãe índia espera...
Choro novo!
Nasceu Mim.

Indiozinho feliz como todo indiozinho.
Mim brincava;
Mim caçava (como o pai);
Mim pescava...
Mim também foi à escola.
Adorava a escola. Aluno dedicado.

Um dia, a decepção.
Mim volta para a aldeia em prantos.
Mãe índia quer ajudar. Não pode.
Não entende esse tal português.
Pai branco não teve tempo para ensinar
(Se é que sabia).

Mim teve febre. Delirou.
_ sujeito... predicado... verbo...
Palavras desconhecidas.

Veio o pajé.
Deu jeito não!
_ objeto direto... indireto...

Restava a professora.
Se a culpa era dela, ela saberia
Como salvar Mim. Se não...

Chega a salvadora.
Mim ainda delira.
_ pronome... reto... oblíquo...

Ufa! Ainda bem!
A salvadora está salva.
O caso não é tão grave.

Diagnóstico: pronome pessoal oblíquo não pode ser sujeito de oração; logo, mim, que é um pronome oblíquo (assim como me, te, ti), não pode praticar uma ação. Não pode nem existir, filosoficamente falando. Mas Mim, que é um indiozinho em crise existencial, pode.

Agora Mim está curado.
(E a professora salva).
Mim ainda não leu sua história
(Ou seria estória).
Mim está aqui. Comigo.
Hei, você! Por favor!

Traga o texto para (o) Mim ler.
Traga o texto para eu ler.