A maioria das pessoas que me conhece sabe que eu preciso viajar para dar aula. Como só tenho uma Bizinha de 100 cilindradas e não tenho um carro para chamar de meu, dependo de ônibus, vulgo “busão”, para me locomover de uma cidade a outra.
Nunca imaginei que teria um repertório de histórias tão vasto. Histórias do cotidiano que ouço, presencio em tempo real e, às vezes, acabo me tornando a protagonista. Algumas delas são engraçadas, outras nem tanto. Apesar de passar nervoso e ficar indignada com certas coisas, eu tinha que tirar algo de minha peregrinação iniciada na calada da madrugada. Sendo assim, não podia deixar escapar essa matéria-prima que me foi concedida. Então, resolvi criar uma coluna neste Blog: Crônicas do Busão.
Quinzenalmente (se a vida louca me permitir), contarei uma história vivida ou presenciada por mim, a professora viajante que vos escreve. Já são três anos de viagem e há muitas histórias a ser contadas. Espero que vocês gostem e se divirtam!
A Primeira Crônica
Acordar cedo não é uma missão muito fácil, ainda mais quando não se consegue ir dormir mais cedo. Os adolescentes e as crianças que digam. Agora, imagine acordar cedo para ter que trabalhar ou estudar em outra cidade. Este é meu caso e a cidade não é tão próxima.
Eu adoro meu trabalho, adoro a escola onde leciono. E como a vida não é um mar de rosas, é preciso fazer alguns sacrifícios. O meu é acordar às 4h da madruga para pegar o ônibus das 5h. Para acostumar a isso, não foi fácil. Mas, após três anos, já estou calejada. O único problema é quando não durmo bem à noite devido a sonharada que eu tenho, mas isso daria outra história.
Logo quando comecei minha vida de viajante, sentia um baita sono. Então, queria aproveitar todos os segundos de viagem para dar um cochilo. O ônibus era até confortável. Não dá para esticar as pernas, o que é normal para mim, que tenho um metro de perna.
Na primeira viagem, percebi que seria difícil dormir. O ônibus parava em todos os lugares imagináveis! Acho que se uma vaca balançasse o rabo próximo à pista, ele pararia. Além disso, senti necessidade de algo para tampar a claridade que vinha toda vez que o motorista abria a porta da cabine para um passageiro entrar. Aquilo estava acabando com meus nervosos! Fora a dor no pescoço. Mas resolvi esses dois probleminhas logo. Comecei a levar um travesseirinho de ursinho, herança da minha infância, e uma toalha para cobrir os olhos. Colocava o travesseiro embaixo do pescoço e a toalha no rosto. E quando estava muito frio, inseria um gorrinho ao figurino.
Quando eu finalmente estava acomodada, achei que teria o paraíso do descanso por uma hora de viagem. Doce ilusão. Vocês já ouviram falar na Lei de Murphi. Enfim, Murphi resolveu se encostar em mim e acabar com meu sossego. E, assim, todo dia acontecia um episódio diferente.
Certa madrugada, estando sentada em minha poltrona, prestes a tirar meu cochilo, um homem subiu no ônibus seguido de um barulheiro infernal. “O que é isso, meu Deus!”, pensei quando ouvi aquele chiado seguido de música. Ele se sentou na poltrona oposta a minha. Não acreditei em tanta sorte. Fiquei esperando. Ele ia ter que desligar aquele projeto de celular com TV em algum momento. Não era possível que ele iria de Rio Preto a Catanduva ouvindo aquilo, naquela altura. O ônibus inteiro podia escutar! Acho que ele estava assistindo desenho animado, sei lá. Só sei que o barulho estava entrando na minha cabeça e acabando com meus nervos.
O ônibus saiu da rodoviária, estava deixando a cidade e nada do folgado desligar aquele aparelho infernal. Olhava para ele, me remexia na poltrona, mas nada dele desconfiar. Estava sossegado, esborrachado na poltrona, olhando para aquela tela minúscula. Será que ele não foi apresentado ao fone de ouvido? Eram 5 horas da madrugada! Cadê o respeito pelo próximo?
Então, já que ninguém fazia nada, resolvi tomar uma atitude. Não estava suportando mais. Criei coragem, me virei para o homem, contive o nervoso para não ser mal educada, e perguntei:
— O senhor não tem fone de ouvidos?
— Ah... Não.
— Então, o senhor poderia abaixar o volume ou desligar seu aparelho. Está incomodando todo mundo e a gente acorda cedo para trabalhar! – disse-lhe firme e sem rodeios.
Achei que ia ouvir algo meio mal educado, mas não. O homem fez uma cara de apavorado, desligou o aparelho mais rápido do que imaginei e não disse nada. Finalmente, poderia dormir. Mas a adrenalina da minha audácia não deixou que eu relaxasse para tirar meu cochilinho sagrado. O jeito foi cochilar na volta, no ônibus circular, quebrando o pescoço de tanto que ele balançava. Aliás, o Circular é um capítulo a parte e que renderá muitas crônicas.
Nossa,Kelly Chérie,vc está com um material de primeira pra render muitas e muitas crônicas! Nos buzões dessa vida já encontrei até o clone mal acabado do Morgan Freeman! Adorei a expressão "adrenalina da minha audácia". Adorei sua atitude! Não sei se teria coragem...Mas, os extremos nos impulsionam, não é mesmo?!?
ResponderExcluirDivertidíssima a coluna! Embarcarei junto nesse bus (virtual pra mim...rs)
Que bom que gostou, Marcinha!
ResponderExcluirPois é... É cada coisa que a gente vê nesses busões... E na rodoviária então... Hoje já passei por outro episódio! auauauha
Aguade cenas dos próximos capítulos! rsrs